segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

PORTO, um pulsar em cada esquina!



PORTO, um pulsar em cada esquina!

De Auvérnia (Clermont-Ferrand), veio-nos Rui Duarte puxado pelo sangue que lhe corre nas veias, acabando de se criar em terras de Amarante, alfobre de artistas e gente de cultura, desde Teixeira de Pascoais a Agustina Bessa Luís, passando por Acácio Lino a Amadeu de Sousa Cardoso. Para se licenciar em Educação Visual e Tecnológica rumou à Escola Superior de Educação de Castelo Branco, tornando ao norte onde se fez Mestre e se doutorou em Comunicação Visual e Expressão Plástica, na Universidade do Minho.
Como docente passou por várias escolas e ainda pela Universidade do Minho e pela Escola Superior de Educação de Fafe, onde ministrou disciplinas de metodologia e didáctica da educação artística, bem como de oficinas de expressão plástica, tendo ainda orientado vários trabalhos de investigação.
A sua retaguarda tem-na ele em Vila Pouca de Aguiar, no seu atelier de pintura, onde vai lançando ao papel e à tela os seus variados projectos cristalizados em exposições temáticas que vai apresentando por todo o país.
Desta feita a sua curiosidade de artista trá-lo ao tutano do Porto onde mergulhou na urbe medieval registando com o seu pincel pulsares antigos cujas origens estão para lá da memória dos homens e que as fatalidades do progresso não lograram ainda apagar. A designação das suas obras são as que constam ainda nas placas da toponímia da cidade e só por si valem um testemunho do antanho: Escadas de Codeçal, Escadas do Barredo, Largo do Terreiro, Rua da Fonte Taurina, Rua de Baixo, Rua dos Canastreiros, Rua dos Mercadores, Rua dos Pelames, Travessa do Souto, S. Nicolau, Travessa do Barredo, Viela do Buraco, Largo da Pena Ventosa, Rua dos Bacalhoeiros, etc..

Agostinho Costa

PORTO, um pulsar em cada esquina!
Exposição de Pintura de Rui Duarte
Galeria Vieira Portuense

De 15 de Fevereiro a 14 de Março

UM MANJAR EM CAMPO DE VÍBORAS


UM MANJAR EM CAMPO DE VÍBORAS
Quando comecei a trabalhar não almoçava, quando muito comia um prego ou cachorro acompanhado a leite frio. Era hábito que trazia de Coimbra onde abusava do leite que, além de matar a sede, alimentava.
Naquela tarde de frio vinha do tribunal de Vimioso pela EN 219 e, passada a adrenalina do julgamento, começava a sentir vontade de trincar qualquer coisa. À altura de Campo de Víboras vi uma porta aberta de meio café meu adega chamando-me a atenção uma lareira acesa. Animou-se-me a alma e entrei. “Uma sandes mista, se faz favor”, a mulher - uma destas mulheres de meia-idade, polivalentes atendendo ao balcão, à cozinha e ao mais que houvesse para fazer – olhou-me de alto a baixo a estranhar o meu aspecto de gente que não era dali, sem sinal do que por ali andaria a fazer. “Que quer na sande?”Sei lá! Um bocado de queijo com fiambre”?. “Não tenho fiambre. Tenho aquela marmelada; o bolor é próprio”.  Gelou-se-me a alma apesar da chama vibrante que enchia a lareira. Ela percebeu o meu sentar-me desanimado, a uma mesa perto da fogueira.
Subiu a um banco e deitou a mão a uma serapilheira fumada de onde desembrulhou um presunto ao qual faltavam já algumas talhadas. Preparou um prato com dois bocados de presunto, um pedaço generoso de triga-milha e uma malga de vinho tinto. E perguntou-me: “Em vez da sande não quer antes uma alheia feita aqui em casa?”.
A sêmea e o presunto de longe que me chegavam. Acrescentar a alheira já era pantagruélico. Mas esse produto da imaginação dos cristãos-novos caía-me no goto. Fiquei indeciso a olhar a mulher que já me virava as costas. Mas parou para me perguntar se a acompanhar o fumado queria um ovo estrelado. Que não, disse eu já conformado e recomposto da desilusão! Mas, com a humildade de quem sabe obedecer a quem manda, expliquei-lhe que não queria o vinho, mas talvez um copo de leite frio. “Leite frio com este tempo? Não tenho leite. Tenho cerveja, sumos … já venho ver o que quer para beber” e foi tratar da alheira.
Veio logo de seguida com a alheira e uma pequena trempe que pôs ao lume com o petisco em cima. “Traga uma larangina c, s.f.f”, “Já venho, já venho”, disse ela e desapareceu pelas entranhas do resto da casa.
Fiquei só naquele café de aldeia, a degustar o pão excelente, o presunto excelente, e o excelente odor da alheia a rechinar sobre as brasas. Precisava de beber alguma coisa. “Ó se faz favor?”, chamei para dentro a ver se a mulher aparecia. Não apareceu.
Levei a malga aos lábios e o gole foi maior do que pretendia. Mas soube-me bem. De tal modo que quando ela me trouxe a alheira a fumegar já não lhe disse nada, nem ela me perguntou, reparando na malga do vinho que já ia a meio.
Foi um manjar que me soube a pouco. E a trempre esquecida nas brasas rescendia a gordura de assado!

Ó faz favor! Faz favor?”. Desta vez a mulher acudiu ligeira com uma garrafinha redonda de Larangina C, ainda em uso na altura. “É pena aquelas brasas! Não tem uma febrinha?”. “Febras não tenho, mas arranjo-lhe uma postinha de vitela”. “E outra malga de vinho” conclui eu, dando graças ao santo que me fez parar naquele tasco em Campo de Víboras.