quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

COLECTÂNEA GALERIA VIEIRA PORTUENSE 2014


Se Ricardo Braga nasceu em 1999, Fernanda Cardozo viu a luz do dia em 1922. Se António Duarte Lima nasceu na Foz do Douro, Artur Cardoso é natural de Freixo de Espada à Cinta. Se Alice Santos viveu em Macau, César de Carvalho refugiou-se em França desde 1969. Se Constância Néry é brasileira, Cristina Maya Caetano é angolana, se Acilda Almeida e Goretti Dias são licenciadas em Línguas e Literaturas Modernas, se Bi Rodrigues é licenciada em História, Maria Alice Branco é licenciada em Matemática e Maria Augusta Silva Neves é licenciada em Físico-Químicas. Se José Oliveira Ribeiro começou como “rapaz” de trolha, Aswin Aires está a acabar o doutoramento em Psicologia.
São 47 as sensibilidades de várias origens e múltiplas experiências que se juntam em mais uma colectânia de poesia – a quarta – que a editora “Corpos” fez ver a luz do dia no começo deste mês.
A apresentação esteve a cargo das sensibilidades de Lourdes dos Anjos e Fernanda Cardozo, duas das pioneiras deste movimento de tertúlia que vem desde 2009 na Galeria Vieira Portuense, com reuniões sempre pelas 16 horas do 3.º Sábado, de cada mês. O modelo é o do Cabaret Voltaire, também sem regras e sem chefes, mas com um ética própria assente no respeito mútuo pelas mútuas independência e liberdade. Cada um que se proponha declamar os seus versos, ou os de autores da sua preferência, inscreve-se à entrada da galeria Vieira Portuense e intervém quando chega a sua vez. As conversas desenrolam-se à volta de um cálice de vinho do Porto e acabam ao fim da tarde.

Esta edição de 2004, a exemplo das outras, tem ilustrações de Luís Pedro Viana, que tratou das mais condições materiais da edição.

A RAPARIGA INGLESA


O Natal aí está, acinzentado, sem sol e sem chuva, a aconselhar um bom repouso junto à lareira. Claro que estes são tempos de redes sociais, na internet, com gestos mecânicos e pensamentos à la carte servidos por sites mais ou menos mal-intencionados.
Uma boa leitura seria a alternativa a tal entediante actividade cibernética.
Serve este propósito para lembrar “A RAPARIGA INGLESA” que nos traz uma interessante história que se desenvolve à margem da legalidade, por vários países, cada um com o seu mundo paralelo de poderes ilegais, que o autor conhece das suas experiências como jornalista.

Com efeito, Daniel Silva, filho de emigrantes açorianos, antes de se dedicar à escrita em exclusividade, trabalhou para a UPI (United Press International) em Washington e no Cairo, onde foi correspondente para todo o Médio Oriente. O seu “Gabriel Allon” regressa em muitos dos seus livros – não sei se em todos, porque só li alguns – tornando-se numa personagem popular entre os seus leitores, nomeadamente junto de Bill Clinton que a vê como a sua preferida.

domingo, 12 de janeiro de 2014

ACÁCIAS NO MONTE DE SANTA LUZIA



O meu avô tinha-as circunscritas a determinado canto do pinhal, já que precisava delas para cabos das alfaias e suportes mais exigentes e para as fogueiras das noites mais longas do inverno. Não era fácil impedir que se multiplicassem pelo pinhal fora, já que saíam ramos das próprias raízes que se espalhavam pelos espaços livres, criando uma mancha à volta do núcleo inicial, cujo crescimento só à força de picão e machado era  contrariado.
As mimosas na minha terra eram uma força da natureza. A mim aqueciam-me a alma nos dias cinzentos de Janeiro. O esplendor das suas flores amarelas anunciavam-me o renascimento da terra que o Sol mal alumiava, embora o crescimento dos dias já se anunciasse. Com elas sente-se o milagre da vida e isso é bom.
Por isso não admira que a acácia-mimosa seja o símbolo do renascimento para uma nova vida pois que renasce com o Sol, como Osíris renascia no seu filho Hórus ou Deus-Pai em Jesus.
Esta capacidade de se espalhar como uma doutrina, o facto de ser a primeira planta a mostrar a renovação através das suas flores, a semelhança do seu aspecto florido com o próprio sol, a sua incorruptibilidade, fazem desta planta o símbolo de todos os renascimentos e de todas as iniciações, estando presente nas coisas divinas desde a antiguidade.
Os pedaços de Osíris, que Isis recolheu, foram guardados numa tumba de acácia. Era de acácia a madeira que Moisés utilizou na Arca da Aliança. Os seus ramos floridos lembram o “Ramo Dourado” dos antigos mistérios. 

V IMPÉRIO

Pintura de Carlos Dugos

António Gonçalves de Bandarra, nascido no ano de 1500, em Trancoso, onde era sapateiro, publicou algumas trovas a prometer futuros em que o Padre António Vieira descortinou o quinto império na célebre quadra do artesão de Trancoso:
Em vós que haveis de ser quinto
Depois de morto o segundo,
Minhas profecias fundo
C’o estas letras que aqui pinto.

À natureza profética de Bandarra, refere-se, Fernando Pessoa, na sua “Mensagem” dizendo:
Sonhava, anónimo e disperso,
O Império por Deus mesmo visto,
Confuso como o Universo
E plebeu como Jesus Cristo.

Não foi nem santo nem herói,
Mas Deus sagrou com Seu sinal
Este, cujo coração foi
Não português, mas Portugal.

Na verdade António Vieira, na sua obra “Império do Futuro”, pretende demonstrar que em Portugal ocorrerá o quinto império que profecias ancestrais anunciam e que depois dele nunca deixou de ser procurado.

Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!

                                                                            diz Fernando Pessoa, ainda na sua “Mensagem”, anunciando, também ele, o quinto império Português, que outro não será do que o “Reino do Espírito Santo” pregado por Joaquin de Fiore e espalhado por Portugal inteiro pelos franciscanos, de cujo culto são reminiscências as festas do Espírito Santo, que alumiam os Açores no Verão e se veem em Tomar, disfarçadas de “Festas dos Tabuleiros”, onde se coroa imperador uma criança sem tempo para os vícios e defeitos que contaminam o carácter dos adultos e não os deixa entender-se num mundo de paz, liberdade, fraternidade e igualdade, realidades que hão-de compor o sanctus sanctorum do novo império.

«Restaurar a criança em nós, e em nós a coroarmos Imperador, eis aí o primeiro passo para a formação do império», diz Agostinho da Silva.

Este quinto império está anunciado nas escrituras e disso mesmo dá testemunho o sapateiro de Trancoso.
Protesta ele nas suas trovas:
Muitos podem responder,
E dizer:
Com que prova o sapateiro
Fazer isto verdadeiro,
Ou como isto pode ser?
Logo quero responder
Sem me deter.
Se lerdes as Profecias
De Daniel e Jeremias
Por Esdras o podeis ver.

Na verdade, este Esdras é quem, no Livro Sagrado, nos dá notícia do fim do degredo babilónico, pela mão de Ciro, o Grande, ao fim dos setenta anos anunciados pelo profeta Jeremias, descrevendo com minúcia o retorno de Israel e a reconstrução do Templo, com todo o circunstancialismo envolvente, nomeadamente a oposição dos samaritanos.
Ciro nada tinha que ver com o tirano Nabucodonosor, já que as suas crenças tinham em si a noção do bem e do mal que Zoroastro semeara pelo Oriente. A este, a doutrina não lhe fora revelada. Descobriu-a ele no livro da vida, examinando o meio que o rodeava, daí tirando os ensinamentos que o criador deixara assinalados nas coisas que criara. Descobertos tais ensinamentos, caberia ao homem descobrir o que era o bem e o que era o mal, porque o critério estava na sua própria mente. E a tarefa não é difícil porque o mundo foi criado bom, por um Deus bom.
Essa tarefa é quotidiana, sendo certo que o bem ou o mal que se pratica no dia-a-dia não é definitivo, já que se trata de um processo de aprendizagem contínuo que leva ao aperfeiçoamento geral, uma vez que quando uma pessoa progride, progride todo o mundo. Mas o aperfeiçoamento só será total, quando todos atingirem o mesmo nível de progresso.
Com Zoroastro acabara a religião com base no medo e no mistério. Ele descobriu a “religião da alegria” participativa, parceira de Deus no seu projecto criativo, utilizando as ferramentas da “Boa Mente”, das “Boas Palavras” e das “Boas Acções”. O resultado será a justiça, a rectidão, a fraternidade, a verdade, a bondade…
Dessa maneira as pessoas descobrem que fazem parte de um todo magnífico, em construção por eles e por Deus, bastando para isso conhecer a melhor maneira de encontrar o seu lugar no mundo, e agir de maneira a não desequilibrar o seu meio.
Esta religião reverencia a terra, a água, o ar e o fogo, bem como todos os seres vivos. Em Zoroastro não há diferenças de raças ou de género, o seu deus não é tribal, nem tem nenhum povo eleito. O homem e a mulher têm os mesmos direitos.
Zorobabel com a persuasão dos que se acham na razão, sem servilismos, nem cedências, convenceu o grande rei a deixar o seu povo regressar à Judeia, terra dos seus avós.
Ciro ficou na Pérsia a cumprir a profecia de Daniel. Com efeito, Nabucodonosor sonhara com uma grande estátua, na qual a cabeça era de ouro, o peito e os braços de prata, o ventre e coxas de bronze, as pernas de ferro e os pés eram parte de ferro e parte de barro. Estando ele a admirar a estátua, uma grande pedra veio do alto e acertou nos pés da estátua que acabou sendo totalmente destruída. Depois disso a pedra cresceu até cobrir toda a face da terra.
O profeta Daniel, com a ajuda de Deus, explicou ao tirano que as várias partes da estátua eram diferentes impérios que se sucederiam no domínio do mundo, governando toda a terra o último. E se o de Nabucodonosor correspondia ao ouro, o da prata não poderia deixar de ser o de Ciro. Seguir-se-iam o de Alexandre Magno e o de Roma. O último está no verso 44º, onde Daniel profetiza: «No tempo desses reis, o Deus do céu fará aparecer um reino que nunca será destruído, nem será conquistado por outro reino. Pelo contrário, esse reino acabará com todos os outros e durará para sempre. É isso o que quer dizer a pedra que o rei viu soltar-se da montanha, sem que ninguém a tivesse empurrado, e que despedaçou a estátua feita de ferro, bronze, prata, barro e ouro. O Grande Deus está a revelar o que vai acontecer no futuro. Foi este o sonho e esta é a explicação certa».
Na Judeia, Zorobabel construiu o 2.º Templo, um terço maior que o de Salomão, com as alfaias numa mão e com a espada na outra, já que muitos eram os inimigos que queriam impedir aos judeus a reconstrução da sua casa de Deus!
Será que na Pérsia os seguidores de Zoroastro, sem alfaias nem espada, não tinham já dado início à construção do “Terceiro Templo” ou “Reino do Espírito Santo” ou “Quinto Império”?



UMA COISA INVISÍVEL


O título era de promessa: uma urdidura à volta das maçonarias portuguesas, com homens-chave em posições-chave, sob a larga cobertura maçónica, era um enredo que nos poderia levar a um momento digno de Agatha Christie com a novidade de a coisa se passar pelo nosso pacato jardim à beira-mar plantado.
“O Inimigo Invisível” é o prometedor título da ficção que a autora Rute Pinheiro Coelho deu ao livrinho. E para apurar a promessa há um subtítulo: “Até onde vai o poder da Maçonaria em Portugal?”.
A fazer-me decidir a gastar os não poucos euros que a etiqueta exibia, estava um comentário do jornalista Nicolau Santos a dizer que a coisa era imperdível.
Todavia, para além de matéria a todos os títulos injuriosa para a “Maçonaria” e a “Opus Dei”, ao alcance da tutela penal, já que ambas são entidades de direito privado com personalidade jurídica, a historieta não tem pés nem cabeça, não consegue sequer meter a maçonaria na trama como entidade responsável pelo que quer que seja, esgotando-se o enredo num mar de palha sem origem nem destino.

Estes primeiros livros de autores têm estes riscos e por isso raramente os compro sem primeiro deles ouvir falar. Mas com os diabos: trazia a caução do Nicolau Santos. Será que se deu ao frete sem o ler?

sábado, 11 de janeiro de 2014

CAMINHO DE ESTRELAS PARA A ETERNIDADE

Hoje o Caminho de Santiago já não se faz como antigamente. Ou talvez se faça como se fazia antigamente, antes de Pelágio ter descoberto o túmulo que o Bispo Teodomiro havia de declarar tratar-se do túmulo dos restos mortais de Santiago.
Em “O Diário de um Mago”, Paulo Coelho já nos mostrara a alquimia do Caminho e a transformação que a mesma opera dentro do caminheiro.
Agora José Luis Pardo Caeiro, no seu “Un Camino de Estrellas a la Eternidad”, mostra-nos outra peregrinação a Compostela, desta vez a partir de Treveris, num tempo indeterminado dos finais do Império Romano. O Romeiro é um tal Marcus que vem num estado para além da morte física, a lembrar a lenda que diz que “quem não vai de vida, vai de morto”.
A este Marco sucede com frequência sair de seu tempo em sonhos e assistir a todos os momentos trágicos do fim do Império, entre eles as invasões bárbaras, a conversão dos Suevos, pela mão de Martinho de Dume, com a ajuda do outro Martinho da Panónia, que foi grande e santo em Tours e é por nós festejado em Novembro, assistindo pelo meio a muitos outros episódios, como a derrota de Carlos Magno em Roncesvales e o milagre de S. Domingos da Calçada, com réplica em Barcelos.
Seguindo a Via Láctea, que Luis Buñuel haveria de surrealizar no século XX, o romeiro lá chega a Santiago para cumprir o que lhe faltava para entrar no Reino de Deus.
Fica-se sem se saber o que realmente veio este Marcus fazer a Santiago. Mas não podemos deixar de nos lembrar que de Teveris vieram os ossos do primeiro mártir às mãos dos cristãos intolerantes da altura, que aí o sacrificaram e que o seu mentor fora um tal Marcus, ou alguém da escola que fundara no nordeste peninsular. Luis Buñel vai mais longe no seu “Via Lactea” onde claramente diz que em Compostela quem lá está é o herege Prisciliano, cuja doutrina iluminou a Galiza por mais de 300 anos. 

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Uma certa “Excalibur”

Tenho aqui a “Excalibur”, que ma deram no Sábado passado, na Galeria Vieira Portuense. Mas não é como a do Rei Arthur pois que a encimá-la está a cabeça bifronte de Janus a lembrar-me que o Sol já morreu e já renasceu, já a fronte velha do velho deus se vira para trás deixando a fronte nova anunciar o novo tempo da nova luz, já que desde o solstício que os dias passarão a ser maiores que as noites, sempre assim até ao outro solstício, o do dia maior do ano que traz a janela que Janus entreabrirá a anunciar a morte de Osiris, ou de Ninrode, ou seja lá de quem for que encarne o Sol, que há-de morrer de aqui a um ano e renascer no dia seguinte, incitando-nos a também morrermos para o vício e renascermos  para a virtude. A representação do papiro que se vê no cabo da espada mais não será do que a lembrança do Livro Sagrado do Grande Espírito Invisível com as lições do terceiro filho de Eva, ou de qualquer outro Livro Sagrado que nos ajude a atingirmos a Salvação. O Símbolo da harmonia perfeita também lá está, sendo certo que foi com o seu compasso que Deus “marcou os limites do mundo e determinou, dentro deles , tudo o que se vê e tudo o que está escondido”, segundo cantou Dante na sua Comédia, que Bocácio denominou divina. Há um pequeno ramo por baixo do pergaminho, o que também nos transporta à ideia de renascimento, já que tal ramo não poderá ser de nada mais do que da acácia, símbolo de todas as iniciações. Por isso esta prenda que me deixaram no dia do solstício de inverno do nosso descontentamento é símbolo de esperança num ano próximo de renovação, o que também é sinalizado pelo aspecto cruciforme da mesma, que poderá apontar para a expectativa de um qualquer milagre ainda indefinido que nos traga refrigério para esta triste e vil tristeza. E então apetece sonhar a esperança com Fernando Pessoa:

Que símbolo fecundo
Vem na aurora ansiosa?
Na Cruz Morta do Mundo
A Vida, que é a Rosa.

Que símbolo divino
Traz o dia já visto?
Na Cruz, que é o Destino,
A Rosa que é o Cristo.

Que símbolo final
Mostra o sol já desperto?
Na Cruz morta e fatal
A Rosa do Encoberto.

OBRIGADO, ALICE QUEIROZ.


Um Milionário em Lisboa


Da espantosa capacidade de fazer estas grandes reportagens sobre realidades que embrulha em imaginativos cenários, já ninguém se admira depois de todos os êxitos que José Rodrigues dos Santos já publicou sobre os grandes temas contemporâneos. Aguardemos o próximo, com a a ajuda do Professor Noronha ou sem ela. Desta vez o autor presenteia-nos com a conclusão do jogo de xadrez do negócio do petróleo e com a perseguição ao povo arménio no estertor do império otomano. Quanto ao seu homem do petróleo fica-nos a imagem de um cretino, vicioso, corruptor e soberbo.