Propondo-me
falar da VERDADE, não sei o que dizer.
Com
efeito, não sei o que é a verdade, para além de um antinómico da mentira.
Será
que ao nos referirmos ao conceito de Verdade pretendemos referir-nos ao
princípio dos princípios, à causa das causas?
Todavia,
para mim, isso é Deus e eu não conheço Deus.
Mas
não o conhecendo, não posso dizer, como Alberto Caeiro, que não acredite nele,
porque acredito.
Caeiro
dizia:
«Não
acredito em Deus porque nunca o vi.
Se
ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem
dúvida que viria falar comigo
E
entraria pela minha porta dentro,
Dizendo-me
Aqui estou!
(Isso
é talvez ridículo aos ouvidos
De
quem, por não saber o que é olhar para as coisas,
Não
compreende quem fala delas
Como
o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas
se Deus é as flores e as árvores
E
os montes e o sol e o luar,
Então
acredito nele,
Acredito
nele a toda a hora,
E
a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E
uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas
se Deus é as árvores e as flores
E
os montes e o luar e o sol,
Para
que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe
flores e árvores e montes,
Se
ele me aparece como sendo árvores e montes
E
luar e sol e flores,
É
que ele quer que eu o conheça
Como
árvores e montes e flores e luar e sol.»
E
mais uma vez me afasto de Alberto Caeiro, porque para mim «as árvores e as
flores e os montes e o luar e o sol» são obra de Deus e não o próprio Criador.
Por
isso, não o conhecendo, eu acredito n´Ele.
Diz
Voltaire, no seu Dicionário Filosófico, que «Sob o império de Arcádio,
Logomaco, teologal de Constantinopla, foi à Cítia e deteve-se no sopé do
Cáucaso, nas férteis planuras de Zefirim, já nas fronteiras da Cólquida. O bom
velhote Dondindac estava na sua grande sala baixa, entre o aprisco e a vasta
granja; ajoelhado, e com ele também ajoelhados estavam a mulher, cinco filhos e
outras tantas filhas, todos entoavam louvores a Deus, após um ligeiro repasto.
- "Que fazes aí, idólatra?" perguntou-lhe Logomaco. - "Não sou
idólatra", respondeu Dondindac. - "Hás de sê-lo, por força, pois és
um cita e não um grego. Ora, dize-me cá, que entoavas tu nesse teu bárbaro
linguajar de cita?" - "Todas as línguas são iguais, aos ouvidos de
Deus", respondeu o cita; "louvávamos o Senhor, em nossos hinos."
- "Que coisa estapafúrdia", admirou-se o teologal. "Uma família
cita que reza a Deus sem nunca ter sido ensinada por nós!" E, sem mais
aquela, iniciou uma conversa com o citado Dondindac, porque o teologal -
valha-nos isso! - sabia um poucochinho da língua cita e o outro - ainda bem! -
sabia seu naco de grego. Esta instrutiva palestra, meio em cita meio em grego,
foi achada num manuscrito que se conserva (quase por milagre) na biblioteca de
Constantinopla.
Foi
como se segue:
LOGOMACO
- Ora, vamos lá a ver se sabes o teu catecismo. Por que rezas a Deus?
DONDINDAC
- É porque é justo adorar o Ser Supremo, que nos deu tudo quanto possuímos.
LOGOMACO
- Não está nada mal observado, não senhor, para um bárbaro como tu! E que lhe
pedes nas tuas orações?
DONDINDAC - Agradeço-lhe todos os bens de que desfruto
e também os males de que sofro; mas não lhe peço nada: Ele sabe melhor do que
nós aquilo de que carecemos, e não é só por isso: temia pedir-lhe bom tempo
enquanto o meu vizinho era muito capaz de lhe estar a pedir chuva.
LOGOMACO
- Ah! Já estava mesmo à espera de que me dissesses qualquer tolice. Vamos
recomeçar, mas com mais elevação. Ora dize-me lá, bárbaro duma figa, quem te
disse que Deus existe, sim, que há um Deus?
DONDINDAC
- A Natureza inteira.
LOGOMACO
- Não basta. Que ideia fazes tu de Deus?
DONDINDAC
- A ideia de que é o meu criador, o meu senhor, que me há-de recompensar se eu
praticar o bem e castigar se fizer o mal.
LOGOMACO
- Tudo o que dizes são frioleiras e lugares comuns! Vamos ao essencial, que é o
que importa. Deus é infinito secundum quid, ou segundo a essência?
DONDINDAC
- Não percebo cá disso.
LOGOMACO
- Forte besta! Estúpido! Deus está nalgum lugar, ou fora de qualquer lugar, ou
em toda a parte?
DONDINDAC
- Não sei, não sei... Será como quiserdes.
LOGOMACO
- Estúpido! Ignorante! Pode fazer com que o que foi não foi, e que um pau não
tenha dois bicos? Vê o futuro como futuro ou como presente? Como procede Deus
para fazer sair o ser do nada ou para aniquilar o ser?
DONDINDAC
- Nunca pensei nisso...
LOGOMACO
- Oh! Como és lorpa! Seja, há que ser humilde, ter a noção das distâncias. . .
Dize-me cá, amigo, julgas que a matéria pode ser eterna?
DONDINDAC
- E que me importa a mim que seja eterna ou não? Eu cá não tenciono existir
eternamente! Deus sempre foi o meu senhor; deu-me a noção de justiça, hei-de
obedecer-lhe; não pretendo de modo algum ser filósofo, quero ser apenas um
homem.
LOGOMACO
- Isto, com pinhas tão duras, dá um trabalhão! Bem, vamos lá a ver se,
devagarzinho... por exemplo: quem é Deus?
DONDINDAC
- Meu rei meu juiz e meu pai.
LOGOMACO
- Não é nada disso que te estou a perguntar. Qual é a sua natureza?
DONDINDAC
- Ser poderoso e bom.
LOGOMACO
- Mas é corporal ou espiritual?
DONDIDAC
- E como quereis que o saiba?!
LOGOMACO
- O quê? ! Não sabes ao menos o que é um espírito?
DONDINDAC
- Nem pouco nem muito! E de que é que isso me servia? Se o soubesse, seria mais
justo? Seria melhor marido, melhor pai, melhor patrão, melhor cidadão?
LOGOMACO
- Bem. Já estou a ver que tenho de te explicar duma vez por todas, tintim por
tintim, o que é um espírito. Olha: um espírito é... é... assim uma coisa...
é... Para outra vez te digo.
DONDINDAC
- O meu medo é que me direis não aquilo que é mas o que não é. Agora,
permiti-me que seja eu quem vos faça uma perguntinha. Aqui já há muito tempo,
entrei num templo dos vossos. Explicai-me: por que pintais Deus com umas
grandes barbaças?
LOGOMACO
- Essa pergunta é muito difícil e necessita de muitas instruções preliminares.
Deste
belo diálogo, retiro a ilação de que admirando os gregos, e não sendo da Cítia,
concordo inteiramente com Dondindac. E com o seu Deus, criador e curador das
coisas que nos rodeiam, independentemente da sua história, da sua natureza, e
das suas qualidades.
Voltando
ao tema da verdade, dou-me conta da mentira do Deus que em Roma nos é servido
desde o concílio de Niceia pela igreja católica
que o nosso irmão Isaac Newton denominou de Anticristo, de “meretriz da
Babilônia”, acreditando que todas as mentiras do mundo tinham começado nesse
Concílio de 325, conduzido sob a égide do imperador Constantino, que impôs
todos os dogmas de que a igreja se serviu para perseguir o livre pensamento,
nomeadamente o pensamento de Deus, sempre coado pelos padres e bispos, tidos
por únicos intermediários junto do Ente Supremo.
Mas
então, sentindo a existência de Deus, quem é Ele, afinal?
Certa
vez perguntaram a Albert Einstein, se ele acreditava em Deus. “Acredito no Deus
de Spinoza, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe”,
respondeu ele, resposta que a mim também me serve.
Dizia
o Deus do iluminista Espinoza:
“Pára
de ficar rezando e batendo o peito! O que eu quero que faças é que saias pelo
mundo e desfrutes de tua vida.
Eu
quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para
ti.
Pára
de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que
acreditas ser a minha casa.
Minha
casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é
onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.
Pára
de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou
que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau. O sexo é um
presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria.
Assim,
não me culpes por tudo o que te fizeram crer.
Pára
de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não
me podes ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos
de teu filhinho… Não me encontrarás em nenhum livro! Confia em mim e deixa de
me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho?
Pára
de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem
te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.
Pára
de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz… Eu te enchi de
paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de
incoerências, de livre-arbítrio.
Como
te posso culpar se respondes a algo que eu pus em ti?
Como
te posso castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez?
Crês
que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se
comportem bem, pelo resto da eternidade?
Que
tipo de Deus pode fazer isso?
Esquece
qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te
manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.
Respeita
teu próximo e não faças o que não queiras para ti.
A
única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de
alerta seja teu guia.
Esta
vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio,
nem um prelúdio para o paraíso.
Esta
vida é a única coisa que há aqui e agora, e a única coisa que precisas.
Eu
te fiz absolutamente livre.
Não
há prémios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar.
Ninguém leva um registo. Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um
céu ou um inferno.
Não
te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho.
Vive
como se não o houvesse.
Como
se esta fosse a tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir.
Assim,
se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei. E se houver, tem
certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não.
Eu
vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste… Do que mais gostaste? O que
aprendeste?
Pára
de crer em mim – crer é supor, adivinhar, imaginar.
Eu
não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti.
Quero
que me sintas em ti quando beijas a tua amada, quando agasalhas a tua filhinha,
quando acaricias o teu cachorro, quando tomas banho no mar.
Pára
de louvar-me!
Que
tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja? Me aborrece que me louvem. Me
cansa que agradeçam.
Tu
te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do
mundo.
Te
sentes olhado, surpreendido?… Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me
louvar.
Pára
de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim.
A
única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio
de maravilhas.
Para
que precisas de mais milagres?
Para
que tantas explicações?
Não
me procures fora!
Não
me acharás.
Procura-me
dentro… aí é que estou, batendo em ti.»