domingo, 22 de março de 2020

UM MANJAR EM CAMPO DE VÍBORAS


UM MANJAR EM CAMPO DE VÍBORAS
Quando comecei a trabalhar não almoçava, quando muito comia um prego ou cachorro acompanhado a leite frio. Era hábito que trazia de Coimbra onde abusava do leite que, além de matar a sede, alimentava.
Naquela tarde de frio vinha do tribunal de Vimioso pela EN 219 e, passada a adrenalina do julgamento, começava a sentir vontade de trincar qualquer coisa. À altura de Campo de Víboras vi uma porta aberta de meio café meu adega chamando-me a atenção uma lareira acesa. Animou-se-me a alma e entrei. “Uma sandes mista, se faz favor”, a mulher - uma destas mulheres de meia-idade, polivalentes atendendo ao balcão, à cozinha e ao mais que houvesse para fazer – olhou-me de alto a baixo a estranhar o meu aspecto de gente que não era dali, sem sinal do que por ali andaria a fazer. “Que quer na sande?”Sei lá! Um bocado de queijo com fiambre”?. “Não tenho fiambre. Tenho aquela marmelada; o bolor é próprio”.  Gelou-se-me a alma apesar da chama vibrante que enchia a lareira. Ela percebeu o meu sentar-me desanimado, a uma mesa perto da fogueira.
Subiu a um banco e deitou a mão a uma serapilheira fumada de onde desembrulhou um presunto ao qual faltavam já algumas talhadas. Preparou um prato com dois bocados de presunto, um pedaço generoso de triga-milha e uma malga de vinho tinto. E perguntou-me: “Em vez da sande não quer antes uma alheia feita aqui em casa?”.
A sêmea e o presunto de longe que me chegavam. Acrescentar a alheira já era pantagruélico. Mas esse produto da imaginação dos cristãos-novos caía-me no goto. Fiquei indeciso a olhar a mulher que já me virava as costas. Mas parou para me perguntar se a acompanhar o fumado queria um ovo estrelado. Que não, disse eu já conformado e recomposto da desilusão! Mas, com a humildade de quem sabe obedecer a quem manda, expliquei-lhe que não queria o vinho, mas talvez um copo de leite frio. “Leite frio com este tempo? Não tenho leite. Tenho cerveja, sumos … já venho ver o que quer para beber” e foi tratar da alheira.
Veio logo de seguida com a alheira e uma pequena trempe que pôs ao lume com o petisco em cima. “Traga uma larangina c, s.f.f”, “Já venho, já venho”, disse ela e desapareceu pelas entranhas do resto da casa.
Fiquei só naquele café de aldeia, a degustar o pão excelente, o presunto excelente, e o excelente odor da alheia a rechinar sobre as brasas. Precisava de beber alguma coisa. “Ó se faz favor?”, chamei para dentro a ver se a mulher aparecia. Não apareceu.
Levei a malga aos lábios e o gole foi maior do que pretendia. Mas soube-me bem. De tal modo que quando ela me trouxe a alheira a fumegar já não lhe disse nada, nem ela me perguntou, reparando na malga do vinho que já ia a meio.
Foi um manjar que me soube a pouco. E a trempre esquecida nas brasas rescendia a gordura de assado!

Ó faz favor! Faz favor?”. Desta vez a mulher acudiu ligeira com uma garrafinha redonda de Larangina C, ainda em uso na altura. “É pena aquelas brasas! Não tem uma febrinha?”. “Febras não tenho, mas arranjo-lhe uma postinha de vitela”. “E outra malga de vinho” conclui eu, dando graças ao santo que me fez parar naquele tasco em Campo de Víboras.

A TERRA TREME(U)


No meu tempo de Coimbra, o dinheiro mal dava para cama, mesa e roupa lavada. E para as sebentas e o café diário. TV só no café. No canal 2 tinham as terças-feiras clássicas. Naquela noite de chuva, passava este filme enorme, o primeiro e último dos 3 que os comunistas italianos encomendaram a Visconti. Tomei horas e interrompi a reposição de livros nas prateleiras da UNITAS que me ocupava o serão, atravessei a rua e chapei os olhos da TV2. No último intervalo eram já 2 horas da madrugada, estava eu vidrado no ecrã e o dono do café vidrado em mim. Quando ele julgava que era o fim do filme, a interrupção não passava de mais um intervalo. «Ah, não, pá, amanhã tenho de estar aqui às 6 horas, tem lá paciência!» Pedi desculpa e saí para a chuva miúda. Ao chegar ao fim da Rua da Sofia, estava uma TV ligada na montra de uma loja de electrodomésticos. Sintonizada na TV2, meu anjo da guarda! Chapei o nariz na montra e continuei a ver o Terra Treme de Visconti. Chegou-se um cívico e perguntou-me com ar provocador: "Vais assaltar a loja?" Despertando gaguejei que não, que estava a ver o filme. "A esta hora? À chuva? Os teus documentos?". Não tinha os documentos ali. Estavam na jaleca que deixara em casa. Um segundo que alguém mos traria, era só telefonar, explicava-me eu já a dirigir-me para a cabine que estava junto à Câmara Municipal. "Telefonas do posto". Era ali à beira e até ficava mais barato. Fomos os dois por ali acima, ele a filar-me o braço esquerdo com receios não sei de quê. Chegados ao telefone, ninguém atendia. O PC andava toda a noite pelas reuniões dos MLs. O Paulinho estaria junto do inseparável violão cujo paradeiro era desconhecido. O P tinha namorada que nem sempre o libertava a horas cristãs. Mas o Jeiro? A dormir pela certa. 4 da manhã, 5 da manhã e o cívico com cara de caso, cada vez mais certo que ali havia coisa. Foi o Jeiro quem atendeu finalmente e em 30 minutos lá tinha eu os meus documentos libertadores. Anos mais tarde vi a Terra Treme, com os pés quentes, e sem chuva na cabeça.

Café Brasil



Naquele tempo era assim o Café Brasil ao lado da estação de S. Bento! Foi da primeira vez que fui ao Porto, antes da escola e da catequese, teria 4 ou 5 anos. Não sei porquê, calhara-me essa sorte, já que quem acompanhava a minha mãe ao Pinto Magalhães, Banqueiros, a dois passos dali, era o meu irmão mais velho mais espevitado e com quase 2 anos a mais. Não sei com que periodicidade, mas amiúde, chegavam do outro lado do mar, 3 cheques, poupanças do meu pai, que por lá “vergava a mola” em obras de zimbre, à frente de um pelotão de gente tratada “ao metro”. «O maior pões no banco, o mais pequeno dás ao meu pai, o outro é para os gastos. Mas vê se remedeias com esse, que a vida aqui é dura!» admoestava ele na carta que capeava os títulos do banco, não vá o diabo tecê-las e dar na cabeça da mulher gastar o pecúlio na costureira e em lambarices. O aviso devia doer-lhe, pois ele tinha obrigação de saber com quem lidava. Mas não se queixava. Respondia-lhe da forma costumeira: «Querido Manuel, espero que ao receberes desta… Nós por cá todos bem.». Nunca lhe falou do trasorelho dos putos, das gripes, do pai quando partiu a clavícula, da vaca que morreu ao parir… «nós por cá todos bem»! Nunca pôs em causa que a vida lá fosse dura. Mas também nunca lhe falou na vida duríssima que por cá levávamos. A pequena quinta de 4 hectares andava que nem um brinco, como um brinco as ribeiras de fora. Criação e gado grosso havia para dar e vender, bem como larga variedade de produtos hortícolas e de fruta. Por isso não faltava a uma feira, ao mercado de Ovar aos Sábados de manhã, à feira de Paçô aos Sábados de Tarde, ao mercado da Vila, aos Domingos, à feira de Espinho às segundas-feiras! E também às mensais ou bi-mensais, às dos 4 em Arrifana, às dos 14, em Ovar onde se negociava melhor o gado, à de Salreu onde se compravam os bácoros para criar… À Palhaça ia comprar semente para revender em casa.
Por isso não admira que depositasse os 3 cheques, acrescentando-lhe mais algum do que ela própria ganhava e retirava dos gastos. Pegava pela mão do filho e descia a rua Nova, atravessava Arada e tomava o comboio no apeadeiro da Carvalheira, saindo no de General Torres, porque atravessar a “D. Maria” ficava mais caro. Naquele dia tirou os bilhetes para S. Bento, porque chovia e estava um frio de rachar.
Para mim foi um dia de festa. Andar de comboio, ver as paisagens nunca vistas a fugir em sentido contrário, saltar de uma janela para outra para não deixar nada por escrutinar, era cumprir-se o sonho dos sonhos.
A minha estatura mal dava para chegar às janelas. Mas ao longo da carruagem havia uma caixa de ferro com não menos de 30 cm de altura onde eu me empoleirava para ver melhor. Ainda por cima estava quentíssima, porque a sua função era acondicionar as resistências incandescentes que lá dentro produziam o calor que aquecia o compartimento andante.
Chegados ao destino encarreiramos para a porta norte que nos encaminhava para o Pinto Magalhães Banqueiros, não muito longe dali, fustigados por uma aragem fria inaudita. Foi então que aconteceu: as minhas queixadas iniciariam um vertiginoso bater de dentes sem controlo. Mas mais ritmado que flamenco em gitaneria sevilhana. «Fecha a boca, rapaz». «Tá, tá, tá, não, tá, tá, posso, tá, tá, tá», disse eu sem conseguir travar os queixos!

Empurrou-me para este Café Brasil, mesmo ali ao nosso lado e pediu um café. Quando a minúscula chávena chegou, admirou-se ela mais do que eu. «Só isto?». «Então como queria a Senhora», questionava o homem com catarro, as mãos engrunhadas e a cara de enfado. «Deixe estar. É que nós lá em casa tomamos o café numa malga grande», referindo-se à mistura com que começávamos o dia. Eu tomei de um trago o café quente. Entretanto deu-se o milagre: as queixadas pararam como por milagre, o frio foi-se e senti uma euforia que nunca me deixou esquecer este café Brasil, o primeiro café da minha vida!

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

PORTO, um pulsar em cada esquina!



PORTO, um pulsar em cada esquina!

De Auvérnia (Clermont-Ferrand), veio-nos Rui Duarte puxado pelo sangue que lhe corre nas veias, acabando de se criar em terras de Amarante, alfobre de artistas e gente de cultura, desde Teixeira de Pascoais a Agustina Bessa Luís, passando por Acácio Lino a Amadeu de Sousa Cardoso. Para se licenciar em Educação Visual e Tecnológica rumou à Escola Superior de Educação de Castelo Branco, tornando ao norte onde se fez Mestre e se doutorou em Comunicação Visual e Expressão Plástica, na Universidade do Minho.
Como docente passou por várias escolas e ainda pela Universidade do Minho e pela Escola Superior de Educação de Fafe, onde ministrou disciplinas de metodologia e didáctica da educação artística, bem como de oficinas de expressão plástica, tendo ainda orientado vários trabalhos de investigação.
A sua retaguarda tem-na ele em Vila Pouca de Aguiar, no seu atelier de pintura, onde vai lançando ao papel e à tela os seus variados projectos cristalizados em exposições temáticas que vai apresentando por todo o país.
Desta feita a sua curiosidade de artista trá-lo ao tutano do Porto onde mergulhou na urbe medieval registando com o seu pincel pulsares antigos cujas origens estão para lá da memória dos homens e que as fatalidades do progresso não lograram ainda apagar. A designação das suas obras são as que constam ainda nas placas da toponímia da cidade e só por si valem um testemunho do antanho: Escadas de Codeçal, Escadas do Barredo, Largo do Terreiro, Rua da Fonte Taurina, Rua de Baixo, Rua dos Canastreiros, Rua dos Mercadores, Rua dos Pelames, Travessa do Souto, S. Nicolau, Travessa do Barredo, Viela do Buraco, Largo da Pena Ventosa, Rua dos Bacalhoeiros, etc..

Agostinho Costa

PORTO, um pulsar em cada esquina!
Exposição de Pintura de Rui Duarte
Galeria Vieira Portuense

De 15 de Fevereiro a 14 de Março

UM MANJAR EM CAMPO DE VÍBORAS


UM MANJAR EM CAMPO DE VÍBORAS
Quando comecei a trabalhar não almoçava, quando muito comia um prego ou cachorro acompanhado a leite frio. Era hábito que trazia de Coimbra onde abusava do leite que, além de matar a sede, alimentava.
Naquela tarde de frio vinha do tribunal de Vimioso pela EN 219 e, passada a adrenalina do julgamento, começava a sentir vontade de trincar qualquer coisa. À altura de Campo de Víboras vi uma porta aberta de meio café meu adega chamando-me a atenção uma lareira acesa. Animou-se-me a alma e entrei. “Uma sandes mista, se faz favor”, a mulher - uma destas mulheres de meia-idade, polivalentes atendendo ao balcão, à cozinha e ao mais que houvesse para fazer – olhou-me de alto a baixo a estranhar o meu aspecto de gente que não era dali, sem sinal do que por ali andaria a fazer. “Que quer na sande?”Sei lá! Um bocado de queijo com fiambre”?. “Não tenho fiambre. Tenho aquela marmelada; o bolor é próprio”.  Gelou-se-me a alma apesar da chama vibrante que enchia a lareira. Ela percebeu o meu sentar-me desanimado, a uma mesa perto da fogueira.
Subiu a um banco e deitou a mão a uma serapilheira fumada de onde desembrulhou um presunto ao qual faltavam já algumas talhadas. Preparou um prato com dois bocados de presunto, um pedaço generoso de triga-milha e uma malga de vinho tinto. E perguntou-me: “Em vez da sande não quer antes uma alheia feita aqui em casa?”.
A sêmea e o presunto de longe que me chegavam. Acrescentar a alheira já era pantagruélico. Mas esse produto da imaginação dos cristãos-novos caía-me no goto. Fiquei indeciso a olhar a mulher que já me virava as costas. Mas parou para me perguntar se a acompanhar o fumado queria um ovo estrelado. Que não, disse eu já conformado e recomposto da desilusão! Mas, com a humildade de quem sabe obedecer a quem manda, expliquei-lhe que não queria o vinho, mas talvez um copo de leite frio. “Leite frio com este tempo? Não tenho leite. Tenho cerveja, sumos … já venho ver o que quer para beber” e foi tratar da alheira.
Veio logo de seguida com a alheira e uma pequena trempe que pôs ao lume com o petisco em cima. “Traga uma larangina c, s.f.f”, “Já venho, já venho”, disse ela e desapareceu pelas entranhas do resto da casa.
Fiquei só naquele café de aldeia, a degustar o pão excelente, o presunto excelente, e o excelente odor da alheia a rechinar sobre as brasas. Precisava de beber alguma coisa. “Ó se faz favor?”, chamei para dentro a ver se a mulher aparecia. Não apareceu.
Levei a malga aos lábios e o gole foi maior do que pretendia. Mas soube-me bem. De tal modo que quando ela me trouxe a alheira a fumegar já não lhe disse nada, nem ela me perguntou, reparando na malga do vinho que já ia a meio.
Foi um manjar que me soube a pouco. E a trempre esquecida nas brasas rescendia a gordura de assado!

Ó faz favor! Faz favor?”. Desta vez a mulher acudiu ligeira com uma garrafinha redonda de Larangina C, ainda em uso na altura. “É pena aquelas brasas! Não tem uma febrinha?”. “Febras não tenho, mas arranjo-lhe uma postinha de vitela”. “E outra malga de vinho” conclui eu, dando graças ao santo que me fez parar naquele tasco em Campo de Víboras.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Justiça



Justiça

Por estes dias corre um julgamento em que uma viúva é acusada de ter morto o marido com a ajuda do amante. Os factos, vão ser analisados por 4 jurados tirados à sorte de entre vários Cidadãos, 4 efectivos e 4 suplentes.
Não são nem nunca foram juristas, a menos que a roleta cega tenha encolhido algum, não por o ser, mas por ser cidadão português, no gozo de todos os seus direitos.
Porque o sentimento e capacidade de análise não está nos livros nem entre os dogmas dos grandes jurisconsultos, mas sim no coração e na cabeça de cada cidadão, são estes homens e mulheres que vao julgar se a viúva e o seu amante são culpados ou não e em caso de condenação vão medir a respectiva pena.
Isto sempre foi assim desde os tempos imemoriais, em todas as civilizações na mais escondida tribo de África ou da Amazónia, no mais especializado tribunal das grandes Metrópoles.
Não se trata das ideias inatas que vêm connosco quando nascemos, como concluiria um neoplatónico.
Porque, tal como uma árvore não sai já composta da semente também nós não saímos da barriga da nossa mãe já preparados para distinguir o bem do mal.
É a nossa educação feita em casa e na escola, na oficina e na nossa comunidade que vão criando o nosso carácter, vão-nos tornando, mais ou menos sábios, vão-nos abrindo os olhos para a vida.
Esta justiça foi sempre objecto de largos estudos, exarados em profundos tratados.
Mas um s´princípio resultou sempre desses estudos; dar a cada um o que é seu.
Eneo Domitius Ulpianus, jurista romano dos séculos II e III dizia que a “Iustitia est constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuens”, isto é,  a vontade constante e perpetua de atribuir a cada um o que é seu.
Quando no século VI, Justiano resolve codificar o direito romano incluiu aquilo que Ulpiano no seguimento daquela noção de justiça considerava os grandes preceitos do direito: “Iuris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere”, isto é, viver honestamente, não prejudicar ninguém e atribuir a cada um o que é seu.
Estes preceitos informam ainda o direito da Europa Ocidental, já que os códigos modernos fundam-se nas codificações do século VI levadas a efeito pelo imperador do Oriente, Justiniano I
Atribui-se a Zoroastro, nascido no século VII antes de Cristo, a frase: “Sempre que te seja incerta determinada acção que te seja apresentada seja justa ou injusta, abstém-te”. Esse é um grande princípio da justiça, que está por detrás do princípio constitucional da presunção da inocência, que os latinos denominaram “in dubio pro reo”.
Aliás é em Zoroastro que se fundaram os princípios do justo do injusto. Os actos justos vêm dos homens de boa mente, de boas palavras e de boas acções. Os actos injustos são os dos homens de má mente, más palavras e más acções, por cujas consequências têm de pagar se atingiram negativamente a comunidade!


Disse Verdadeiro Conde

domingo, 12 de maio de 2019

PADRON



Na igreja de Padron, que é como quem diz pedron, onde se amarrou a barca que trazia cadáveres não se sabe quando, nem de quem, talvez de Prisciliano e dos dois bispos que ficaram sem cabeça em Teveris, no século IV, na margem do Rio Mosela, que desagua no rio Reno, o qual desagua no mar do Norte, de onde se navega bem até à ria de Arosa, para o qual dá o rio Ulla, que sobe a Galiza a partir de Iria Flávia, hoje uma humilde aldeia de Padrón!

quinta-feira, 18 de abril de 2019

O OURO DOS TEMPLÁRIOS


O OURO DOS TEMPLÁRIOS
Porque se completaram no mês passado 700 anos da fundação da Ordem dos Cavaleiros de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, em Portugal, sucedeu à Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, também por cá conhecidos como TREMPREIROS, achei oportuno reler, de Maurice Guinguand, o “OURO DOS TEMPLÁRIOS”.

É um estimulante percurso pelas lendas, mistérios, alguns factos e muitas suposições, que desde a fundação da Ordem dos Templários, em 1118, abundam pelas mentes ocidentais, e levam muitos curiosos de todo o mundo aos monumentos de Tomar ligados às “duas” Ordens à procura de sinais nas pedras, que lhe respondam às suas dúvidas.

domingo, 14 de abril de 2019

PRISCILIANO EM PONFERRADA


PRISCILIANO EM PONFERRADA

Depois de retemperar as forças com o típico botilho do Bierzo, regado com um Ribera Sacra branco, botámo-nos para o Castelo que os Templários, no seguimento dos de Cluny, plantaram em Ponferrada, onde o rio Boeza desagua no rio Sil. Na cabeça burilava-me a tese de que esta zona era terra de hereges, talvez o cordão umbilical que ligava Astorga do bispo priscilianista Dictinio a Ourense, do priscilianista bispo Sinfosio, através das margens do Sil e seus afluentes, com ligação a Braga do bispo priscilianista Paterno, através Allariz, Celanova e Gerês. Os priscilianistas não foram os primeiros cátaros. Antes do concílio de Elvira já havia quem achasse que os homens santos do cristianismo se haviam de manter puros, não tocando em mulher, como aliás S. Paulo pregava, dizendo que - sabe-se lá porquê-, nunca conhecera mulher! Os de Elvira perdoaram a heresia e tiveram-na para si, impondo a castidade aos homens da igreja, que de mulheres da igreja nem falar. Daí o meu cismar pelos caminhos de Ponferrada, reflectindo que, pelo menos o meu Amigo José Manuel Anes, escreveu num dos seus livros, que é possível que o priscilianismo, que se espalhou também pela Aquitânia, tenha influenciado o catarismo medieval. À saída do castelo vi um homem de olhar triste e de alma morta a espalhar meia dúzia de objectos velhos e uma dúzia de livros usados. "Dê o quiser", disse ele, a esperança a nascer por eu ter parado a olhar a tenda, que outra não era que o topo do muro que separa do fosso da fortaleza. Parecia esfomeado. “50 cêntimos?” perguntei a brincar, disfarçando o embaraço e o sentimento de culpa por causa do botillo. “Se puder dar um euro...” disse ele conformado com a desgraça. Dei-lhe uma nota e procurei alguma coisa que não me atravancasse mais o escritório, muito mais do que já está. Passei aos livros. Perfeitamente sintonizada com o meu cismar, aparece-me esta VIAGEM AO PAÍS DOS CÁTAROS, com imagens a cores, fotos dos lugares, templos, mapas dos itinerários, enfim, 200 páginas de leitura compulsiva. Obrigado, meu S. Prisciliano!

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

O PLANALTO DOS SONHOS

Castelo de Montalegre
O PLANALTO DOS SONHOS
Antes, Montalegre era as batatas de semente e a carne barrosã.
Depois veio o Padre Fontes, os congressos de medicina popular, a feira do fumeiro, a sexta-treze, e um sem número de iniciativas que chamam aos quatros cantos do Barroso as gentes da planície e do litoral.
Também se ouvia falar que era por estas bandas que pontificavam as últimas práticas do comunitarismo ancestral em que os povos se entre-ajudavam, dando a mão uns aos outros nos vários afazeres quotidianos: nas vezeiras do gado, nos fornos comunitários, nos moinhos, nas conduções de água, no contrabando e na passagem a salto para ir ganhar o pão para as minas do Bierzo ou para a construção em terras de França, ou simplesmente para a fuga à perseguição política ou à guerra colonial.
Hoje Montalegre é um fervilhar de actividade desde o renovar das tradições até às mais recentes aventuras radicais pelas encostas das suas penedias e pelos leitos, ora calmos, ora agrestes, dos seus rios.
O turismo floresce com casas renovadas, parques de campismo, sinalética apropriada e acessibilidades adequadas às dificuldades dos caminhos romanos ou ainda mais antigos.
Os da cidade, quando bate a saudade das alargadas vistas salpicadas de verde e bruma e dos sons de Deus pela voz dos pássaros e pelos que a brisa deixa nos ramos do arvoredo, sem esquecer os que escorrem pelas fragas por onde passam os rios e os ribeiros às vezes caudalosos, botam-se para as montanhas do Gerês e do Barroso a oxigenar o corpo e a alma, e é vê-los contentes como os cucos, a percorrer barrocas, saltar riachos, parar respeitosamente ao chilrear dos pássaros e a salivar à frente dos vários fumeiros que vão encontrando. Às vezes entram numa taverna e extasiam-se perante uma lasca de presunto, duas rodelas de salpicão, uma bucha de pão de mistura e um copo de tinto, excepção saudável à coca-cola e hambúrguer das cidades costeiras!
Por isso, Montalegre é hoje um destino incontornável para os que ainda sentem o sangue celta a correr-lhes nas veias, carecido das velhas emoções que a civilização ainda não conseguiu apagar. As montanhas enchem-se de gente de todas as idades a fazer os percursos dos monumentos romanos, os das sombras por baixo dos carvalhos onde os velhos druidas apaziguavam os deuses e os das velhas gentes quando, à cata do pão, não evitavam monte ou vale por mais inóspitos que fossem, com a foice na mão e no coração a prece ao deus Larouco que ali instanciava em granito insculpido para os lados da Rousia, ou ao Júpiter romano que o substituiu, e mais tarde a Nossa Senhora dos Galegos posta numa pequena capela, para os lados da serra de Leiranco.
Ecomuseu de Barroso
Hoje, o Barroso, já tem o Eco-museu a recolher as antigas tradições com os instrumentos das suas artes e ofícios.
Falta um museu de artes plásticas onde fiquem as emoções dos artistas que por cá passam.
Quando os edis do concelho tivessem um momento de sossego no seu imparável afã, que os tem atreitos aos permanentes projectos que levam o nome de Montalegre até às cidades do litoral e do sul desta terra, seria tempo de lançar mão de mais uma iniciativa que trouxesse anualmente os artistas plásticos a estas terras de Barroso e do Gerês, num evento que passaria pela atribuição de prémios de aquisição de obras, que, para já, poderiam ficar nos vários polos do Eco-Museu do Barroso, até se encontrar um espaço próprio para se instalar o Museu de Arte Contemporânea Barrosã.
Com partida e chegada a esse pólo aglutinador das artes plásticas, assinadas por autores daquém e dalém fronteira, sairia um itinerário de caminhadas ao longo do qual se instalariam esculturas de material imperecível, que transmitissem aos caminheiros as mensagens que os artistas tivessem deixado nas suas obras.
Original, esta iniciativa? Não. Um pouco por toda a parte, pela Europa em particular, vêm-se aldeias e vilas transformadas em museus a céu aberto.
Atelier em Barbizon
Em Barbizon, na esteira de Théodore Rousseau e de Jean-François Millet, desenvolveu-se uma escola de pintura que faz hoje das suas ruas galerias de arte abertas de manhã à noite, com ateliers instalados nas pequenas casas que bordejam os seus caminhos, casas essas cedidas por concurso público a artistas de todo o mundo, por maiores ou menores temporadas. E os turistas que vão de Paris visitar Fontainebleau, nunca deixam de parar nesta cidade-museu, que lhes fica a meio-caminho.
Valle de los Sueños, em Puebla de la Sierra
A Puebla de la Sierra chega-se partindo de Madrid pela A1, na direcção de Burgos, podendo-se fazer um desvio a partir da saída 57, para se ir à Serra de Valdemanco, dar uma olhada à Fundação Berruti, que ocupa o coruto do monte onde Luis Berruti tem instalado o seu atelier de escultura e pintura à volta do qual se espalha um museu ao ar livre com as suas obras.
Fundação Berruti na Serra de Valdemanco
Tornados à A1, sai-se logo à frente para Puebla de la Sierra, num percurso que não chega aos cem quilómetros desde Madrid, onde o artista plástico Federico Eguia – que empresta o valimento da sua arte a este evento Arte na Raia, nele expondo uma de suas obras – fundou, em finais dos anos noventa, um museu de escultura a céu aberto, semeando obras de arte ao redor da povoação, ao longo de caminhos que propiciam aos apreciadores umas caminhadas pela natureza e pela cultura numa amálgama perfeita de beleza e satisfação física e intelectual.
Fica a sugestão!
Apresentamos hoje 75 obras de 75 artistas plásticos oriundos deste e do outro lado da fronteira.
É a terceira vez que vimos a este planalto colaborar com o Eco-museu de Barroso e a Câmara Municipal de Montalegre para acrescentar à beleza desta terra, a beleza das artes plásticas.
Esperamos que a abertura às artes continue a merecer a atenção dos edis de Montalegre e a boa vontade das pessoas e das instituições que tornaram possível este evento.
Agostinho Costa


terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

DE QUANDO JOSÉ GONZALEZ COLLADO FOI EXPOR NO PAÇO DOS DUQUES DE BRAGANÇA



José González Collado, pintor do Norte, natural de Ferrol, deambulou por Madrid, Norte de África, Paris, até voltar novamente ao Ferrol onde reside e continua a produzir Arte, apesar dos seus 83 anos idade.
Da sua terra absorve as brumas, as neblinas, os azuis e cinzas do mar, o enevoado dos dias chuvosos, as mulheres sensuais e misteriosas enraizadas nas lendas milenares dos Celtas, suas memórias e ancestrais costumes. E a saudade nascida das perdas no mar.
Nos seus quadros é notória a influência cubista, o rigor do traço delineado com o saber dos mestres e a exímia mestria na conjugação das cores.
Destes parâmetros só podiam emergir obras sérias, nascidas para ficarem para a posteridade, como estas que decoram os muros deste vetusto Paço.
A sua terra ditou-lhe também os temas: cenas do quotidiano galego, paisagens inspiradas na sua terra mátria, as feiras, os ofícios, os gaiteiros e outros músicos ligados a um povo alegre e divertido, os Cristos agonizantes na cruz das procissões sentidas da Semana Santa.
Do seu gosto pela intemporalidade do eterno feminino surgem as madonas, as maternidades, os corpos nus, sensuais e belos.
E sobretudo o testemunho sentido por quem gosta de arte, que coloca na tela a sua alegria de viver, a sua experiência da vida, a sua memória dos tempos idos, a sua alma.
Pelos primórdios dos anos 60, Manuel Oliveira Guerra lançou-se na aventura da Revista Céltica, a congregar os espíritos de ambas as pátrias da velha mátria Galega, a Galécia romana, a suévia visigótica, a Galiza de Afonso VI.
González Collado foi dos que acudiram à chamada de Oliveira Guerra, colaborando com o movimento em marcha, visitando Portugal nessa altura, convivendo com artistas portugueses, entre eles o saudoso escultor Barata Feyo, o esclarecido autor da estátua da mais galega de todas as poetisas da Galiza, Rosalia de Castro.
Por esse tempo, em 1960, Manuel Oliveira Guerra, na sua revista Céltica, dizia deste pintor que agora nos visita: «Collado, com efeito, é um desenhador magnífico, fácil, rapidíssimo, sóbrio e gracioso, dotado duma maestria e de um sortilégio que prendem à ponta do seu lápis os nossos olhos e os deixam como que parados, na expectativa com que se espera ver o passarinho mágico da manga do prestidigitador»
Um dia desse ano de 1960, este mago, prestidigitador de formas, de cores e de emoções, fez uma exposição em Vigo. Oliveira Guerra foi lá vê-la e ficou encantado, escrevendo de seguida: «A Galiza está ali pintada, por um galego cem por cento galego, cem por cento enamorado da sua linda terra, cem por cento artista, vista através da sua sensibilidade receptiva acima de tudo lírica – e se Collado, não canta como poeta a sua Galiza, as suas casas típicas, os seus barcos mergulhados nas calmas toalhas de água das rias, as suas gentes simples, calmas e cândidas, de olhar parado e distante, Collado pinta-as com todo o lirismo da sua alma ferrolana, com toda a poesia de que é capaz uma alma de galego artista e amoroso da sua terra…».
De regresso ao Porto, Oliveira Guerra trouxe o pintor consigo. Percorreram o Porto, Collado ia desenhando e espalhando obra por casa deste e daquele. Por fim, já na estação do caminho-de-ferro, o pintor abriu os braços amigos a Guerra, «falador e comovido com pena de ir e com o desejo de voltar» ficando acertado que voltaria «em breve para mostrar no Porto as águas das suas rias, as suas casas galegas, as gentes da sua terra…»
Mas Collado não voltou, então, ao Porto. Foi para Madrid, como disso se dá nota no n.º 4 da Revista Céltica, ao comentar-se a obra “O mar e o campo” que hoje se pode ver no CENTRO GALEGO DE MADRID, que aí se classifica de «peça de alegoria forte, humana, social e telúrica […]produto da sua alma ferrolana, quente e entusiasta, de pintor do Campo e do Mar, de pintor do Noroeste moreno e castiço».
E Oliveira Guerra conclui no seu texto: «Collado que veio comigo ao Porto em Abril do ano findo há-de cá voltar com os seus quadros, com a sua arte vigorosa e calma e sã que traduz a Galiza com os seus campos verdes, os seus montes meditativos, o seu mar salino e sussurrante e as suas gentes delicadas, trabalhadoras e honradas».

Demorou 40 anos, mas cumpriu-se o vaticínio. E uma vez que Oliveira Guerra por cá já não anda, somos nós que dizemos: «Bem-vindo, Collado!»

sábado, 3 de fevereiro de 2018

PRISCILIANO, UM CRISTÃO LIVRE


"Para Agostinho Costa, aguardando que siga descobrindo a Prisciliano". Foram estas as palavras que Victorino Pérez Prieto escreveu no seu livro sobre Prisciliano, antes de mo autografar.
E, na verdade, foi em boa hora que fui a Penafiel naquela noite fria de 30 de Novembro assistir à apresentação que da obra fez Alberto S- Santos, autor d' "O Segredo de Compostela".

Com efeito, o autor do livro, escritor, teólogo, filósofo e professor, formado em Filosofia e Teologia, pela Unoversidade de Santiago, doutorado em Teologia pela Universidade Pontifícia de Salamanca, doutorado em Filosofia na Universidade de Santiago, faz um percurso peloo estado dos estudos sobre Prisciliano, percorrendo a mais importante bibliografia que foi sendo publicada desde o século 4º, até aos nossos dias.
Por isso, é esta uma obra de leitura obrigatória para quem se interessa pelo tema e prossegue na senda da descoberta de S: Prisciliana, primeira vítima mortal da igreja Católica, Apostólica e Romana.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

A BRUXA DE GONDARÉM




A BRUXA DE GONDARÉM

Cobria-se com três xailes e duas gabardinas. Tinha um discurso desconexo, mas era firme nas suas certezas. Se contemporizava com os pobres humanos tal devia-se às necessidades elementares da sobrevivência.
Foi o caso do Dr. Balreira.
         - Sr. Balreira, - a velhota não se prendia com senhorias, nem com outros títulos - venho aqui de mando do sr. Guerra – e enquanto tal dizia a Sra. Ana Trinta cuspia-se toda, já que o seu modo de falar produzia uma salivação de tal modo abundante e falava com a boca tão fechada que os sons lhe saíam sibilados misturados com abundante saliva.
         Arrepiava vê-la falar e as palavras percebiam-se-lhe a muito custo.
         - Diga lá mulher, o que lhe fizeram – perguntava o velho causídico já enojado das partículas de saliva que se lhe iam depositando nos códigos espalhados sobre a secretária.
- Olhe, senhor, recebi isto em casa para pagar a cabeça da senhoria, mas não vou nisso.
- A cabeça da senhoria?
Fora o caso ter a senhoria cortado o arame do estendal da roupa, com o argumento de que o coradouro não podia ser usado pela caseira, por não estar incluído no contrato de arrendamento.
Cortado o arame, foi o mesmo reposto no sítio pela bruxa – a mulher era a bruxa de Gondarém, com valimentos propagandeados até aos confins da comarca, como depois se veio a saber.
Não estava a reparação ainda concluída quando aos pés da criatura cai um calhau do tamanho de um paralelepípedo do calcetamento das estradas. A intenção não podia ser outra se não a de a fazer estatelar ali mesmo, segundo a constatação iluminada da vidente.
Todavia a senhoria era uma mulherona de trinta e poucos anos e a caseira já passava dos setenta. Por isso viu-se esta obrigada a aguçar o engenho e vai de acertar com o companheiro uma emboscada à matulona.
- E então como é que fez isso – interpelava-a o Dr. Balreira a ver se lhe encurtava a crónica.
Mas a velha entendia ser importante elencar todos os pormenores.
- Esperámo-la no quinteiro, numa passagem escura que dá para o alpendre. O meu António apanhou-a por trás, segurou-lhe as mãos e eu, que já estava preparada com uma acha, abri-lhe a cabeça, para ela aprender.
- Ó mulher, você fez isso?
- Fiz e volto a fazer se ela voltar a tirar-me o arame.
- E disse isso na judiciária?
- Disse sim senhor. Que lhe abria o miolo se ela voltasse ao feito.
Não era a primeira vez que o velho advogado amaldiçoava o dia em que escolheu a carreira. Umas partilhas aqui, uns despejos acolá até que não lhe desagradava. Mas esta gente dos correccionais fazia-lhe perder a paciência.
A conformar-se com o azar foi dizendo:
- Olhe mulher traga-me o nome de duas ou três testemunhas para abonar o bom comportamento.
- Testemunhas? Para que preciso eu de testemunhas? A minha testemunha é Jesus Cristo que está no céu e que tudo viu! – respondeu a velha que parecia escandalizada.
- Ora adeus! – vociferava o causídico fora de si – faz favor de desamparar a loja que não estou para a aturar!
- Não querem ver o alma do diabo do homem que me vai desfeitear? – dizia ela sem arredar pé, olhando-o como quem olha um sandeu.
- Rua!
Os estagiários mal continham o riso, menos o mais novo que assistia à cena com cara de caso. O Dr. Balreira olhou para eles e amainou-se-lhe o azedume contagiado pelo ar de divertimento. Ao reparar no ar circunspecto do estagiário mais recente que por ali pontificava há menos de uma semana, virou-se para a criatura:
- Olhe, espere aí. Aqui o dr…- dirigindo-se ao estagiário – como é que se chama? – tornando à velha – aqui o Dr. Inácio vai tratar-lhe do assunto!
Foi a risota geral. O Dr. Inácio, acabadinho de sair da Faculdade, não distinguia um correccional de um criminal, nunca tinha ido ao Palácio da Justiça, aportara à cidade vindo de uma aldeia interior e, por tudo isso, era o menos provável defensor dos interesses da bruxa de Gondarém.
O Dr. Inácio é que não gostou da brincadeira e ali mesmo pensou em mudar de patrono.
Saiu, quase arrastando a velha, que nesta altura dos acontecimentos quedara-se atarantada, mal se apercebendo do que se estava a passar.
- Ó minha senhora, dê cá os papéis e volte amanhã à mesma hora!
- Ai agora é você que vai tratar do assunto? Mandaram-me para o Sr. Guerra, depois para o sr. Balreira, agora para o sr. Inácio … nem Cristo de Anás para Caifás!
O papel continha uma notificação para que se pagasse a despesa do Hospital de Santo António relativa à assistência prestada à senhoria da Ana Trinta. Vinha da Comissão Arbitral de Assistência.
Comissão Arbitral? O Dr. Inácio tinha frescas na memória quase todas as matérias que lhe ensinaram em Coimbra. Mas em nenhuma delas se falava em comissão arbitral de assistência.
Socorreu-se da lista telefónica. E lá vinha a indicação da rua da Constituição, número tal, rés-do-chão. Tomou o autocarro com a notificação na mão e acercou-se da secretaria.
- O senhor desculpe, mas a minha avó recebeu esta notificação…
- Deixe lá ver. Isto é para pagar uns curativos no hospital.
- Mas quem teve a culpa foi a outra que se meteu com a minha avó.
- Ai foi? E não há processo a correr?
- Há sim senhor; em Matosinhos.
- Então é fazer um requerimento que a gente manda para lá o expediente. Ó Tozé dá aqui uma norma a este rapaz…
Nem o Dr. Balreira perguntou nada, nem o estagiário se descoseu.
Mas quando chegou a D. Ana Trinta, foi um Dr. Inácio seguro de si que lhe disse:
- Pronto, minha senhora, quanto ao Hospital estamos arrumados. Quando vier a marcação do julgamento apareça por cá. E se puder arranjar duas ou três testemunhas só para dizer que a senhora é boa pessoa, traga-me os nomes, estado e residência.
- Ó menino, já disse que eu não preciso de testemunhas. Nosso Senhor que do Céu vê tudo bem sabe que eu tenho razão.
- Pronto, pronto, não se aborreça, a senhora é que sabe. Boa tarde e até à próxima.
O Patrono estava admirado com a desenvoltura do estagiário.
- Então, Dr. Inácio, como é que deu a volta ao assunto?
O Candidato à Advocacia explicou-lhe tim-tim por tim-tim os termos do requerimento, as leis invocadas e o resultado esperado como se nada daquilo tivesse novidade para si. O Dr. Balreira passou a dar-lhe mais atenção e chegava a inquiri-lo sobre algumas das novidades do Código de 1966, já que no que estava calhado era o Código de Seabra muito mais rigoroso ao jeito da Escola de Viena.
Veio a notificação da marcação do julgamento e com ela a Ana Trinta embrulhada nos seus xailes, agora com um lenço preto amarrado à volta da cabeça.
- Parece impossível, mas vamos ser mesmo julgados.
O Dr. Inácio explicou-lhe que só podia faltar ao julgamento duas vezes, já que à terceira o julgamento far-se-ia mesmo sem a presença dela.
- E se faltar duas vezes eu e duas vezes o meu homem?
- O julgamento é adiado quatro vezes.
- E vai faltar?
- Claro. Enquanto o pau vai e vem, folgam as costas.
- A senhora é quem sabe.
- E não esteja à espera de testemunhas, que não vou incomodar ninguém.
. Ó minha senhora, quanto a isso já estamos acertados.
- Quer-me parecer que é mais fino que o Sr. Balreira.
- O Sr. Dr. Balreira acha que é preciso testemunhas e também eu acho, mas a senhora é teimosa…
Nem deixou acabar a conversa, dando meia volta e desaparecendo na penumbra das escadas.
No dia designado para a audiência de julgamento lá compareceu a Ana Trinta sem mudar um detalhe à indumentária do costume, acompanhada do Dr. Inácio, arrumando-se ambos a um canto do átrio do tribunal.
Feita a chamada, responderam a queixosa, o seu advogado e dezasseis testemunhas de acusação. Por falta do arguido foi a audiência adiada para daí a seis meses.
Mais ou menos da mesma maneira ocorreram as coisas no dia da segunda marcação do julgamento. Na terceira, faltou a Ana Trinta e compareceu o marido. E uma outra vez, em quarta data designada para o mesmo efeito, também a audiência ficou adiada por falta da arguida, apesar de estarem presentes todas as outras pessoas convocadas para o efeito, incluindo as 16 testemunhas arroladas pela queixosa.
Até que chegou a data da quinta marcação verificando o oficial de diligências a presença de ambos os arguidos e respectivo defensor, a queixosa e respectivo advogado, bem como todas as testemunhas, que eram só as da acusação, já que pela defesa não tinha sido apresentado rol.
Sentia-se no rosto da ofendida um certo ar vitorioso, de quem acha finalmente chegada a hora do juízo final. O próprio advogado tinha dirigido um remoque ao jovem Inácio, comentando que para tudo havia uma hora e que o tempo das manobras dilatórias tinha acabado.
Os arguidos sentavam-se ambos no banco dos réus, ele absorto, quase indiferente ao que se ia passar, e ela com o ar fixo no Juiz, com cara de quem espera a oportunidade de explicar as razões da inocência.
O Juiz, rapaz novo e esperançoso na salvação do mundo, aparentava o ar solene de um dominicano, quiçá a magicar no correctivo que havia de ministrar aquela gente que parecia andar a brincar com a Justiça.
         - Levantem-se lá. Primeiro a senhora. Às perguntas que vou fazer é obrigada a responder com verdade…
         Vendo chegada a hora a Ana Trinta retirou um denegrido paralelepípedo da sacola e empunhando-o na direcção do Juiz, vociferou:
         - Olhe, menino, toda esta merda começou com isto!
         Depois de uns segundos de estupefacção geral, o Juiz, virando-se para o Dr. Inácio, questionou:
         - Mas que é isto, Sr. Dr.?
         - Sr. Dr. Juiz, eu já suspeitava da sanidade mental da minha constituinte. Pretendo requerer exame às faculdades mentais da arguida.
         O advogado da queixosa não atentou no que disse:
         - Ó Sr. Dr., por amor de Deus. Aqui na comarca esses exames demoram para cima de dois anos!
         - Ó Sr. Dr. Juiz – gritava a queixosa do fundo da sala ao tomar sentido do que estava a acontecer – eu desisto, eu perdoo, eu pago o que tiver de pagar, mas quero acabar com o processo. É a quinta vez que venho ao tribunal. Tenho de pagar o dia e o almoço a 16 pessoas fora o transporte. Já não posso…
         O Juiz nem acreditava no que estava a ouvir. Uma desistência numa embrulhada daquelas, com uma arguida sem juízo, vinha mesmo a calhar.
         - Levante-se lá a senhora – dizia ele para a ofendida deitando os olhos ao advogado. – Se quer desistir tem todo o direito a fazê-lo! Não quer falar com o seu advogado?
         Só então o advogado caiu em si, saindo do espanto em que caíra com o evoluir dos acontecimentos.
         - Não há que falar. Se posso desistir eu desisto. Está desistido.
         - A senhora é quem sabe. Levantem-se os arguidos. Aceitam a desistência?
         - Aceitam sim – adiantou-se o defensor, já que dos arguidos o marido continuava com o seu ar absorto e indiferente e a esposa não tirava os olhos do Juiz a medir os acontecimentos.
         - Podem então ir em paz. Está encerrada a audiência.
         A velha recolheu o pedregulho na sacola, aconchegou-se com o xaile e virou-se para o Dr. Inácio:
         - Eu não lhe dizia que não eram precisas testemunhas?


Agostinho Costa

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

A VERDADE



Propondo-me falar da VERDADE, não sei o que dizer.
Com efeito, não sei o que é a verdade, para além de um antinómico da mentira.
Será que ao nos referirmos ao conceito de Verdade pretendemos referir-nos ao princípio dos princípios, à causa das causas?
Todavia, para mim, isso é Deus e eu não conheço Deus.
Mas não o conhecendo, não posso dizer, como Alberto Caeiro, que não acredite nele, porque acredito.
Caeiro dizia:
«Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro,
Dizendo-me Aqui estou!

(Isso é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as coisas,
Não compreende quem fala delas
Como o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o sol e o luar,
Então acredito nele,
Acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.»

E mais uma vez me afasto de Alberto Caeiro, porque para mim «as árvores e as flores e os montes e o luar e o sol» são obra de Deus e não o próprio Criador.
Por isso, não o conhecendo, eu acredito n´Ele.
Diz Voltaire, no seu Dicionário Filosófico, que «Sob o império de Arcádio, Logomaco, teologal de Constantinopla, foi à Cítia e deteve-se no sopé do Cáucaso, nas férteis planuras de Zefirim, já nas fronteiras da Cólquida. O bom velhote Dondindac estava na sua grande sala baixa, entre o aprisco e a vasta granja; ajoelhado, e com ele também ajoelhados estavam a mulher, cinco filhos e outras tantas filhas, todos entoavam louvores a Deus, após um ligeiro repasto. - "Que fazes aí, idólatra?" perguntou-lhe Logomaco. - "Não sou idólatra", respondeu Dondindac. - "Hás de sê-lo, por força, pois és um cita e não um grego. Ora, dize-me cá, que entoavas tu nesse teu bárbaro linguajar de cita?" - "Todas as línguas são iguais, aos ouvidos de Deus", respondeu o cita; "louvávamos o Senhor, em nossos hinos." - "Que coisa estapafúrdia", admirou-se o teologal. "Uma família cita que reza a Deus sem nunca ter sido ensinada por nós!" E, sem mais aquela, iniciou uma conversa com o citado Dondindac, porque o teologal - valha-nos isso! - sabia um poucochinho da língua cita e o outro - ainda bem! - sabia seu naco de grego. Esta instrutiva palestra, meio em cita meio em grego, foi achada num manuscrito que se conserva (quase por milagre) na biblioteca de Constantinopla.
Foi como se segue:
LOGOMACO - Ora, vamos lá a ver se sabes o teu catecismo. Por que rezas a Deus?
DONDINDAC - É porque é justo adorar o Ser Supremo, que nos deu tudo quanto possuímos.
LOGOMACO - Não está nada mal observado, não senhor, para um bárbaro como tu! E que lhe pedes nas tuas orações?
DONDINDAC  - Agradeço-lhe todos os bens de que desfruto e também os males de que sofro; mas não lhe peço nada: Ele sabe melhor do que nós aquilo de que carecemos, e não é só por isso: temia pedir-lhe bom tempo enquanto o meu vizinho era muito capaz de lhe estar a pedir chuva.
LOGOMACO - Ah! Já estava mesmo à espera de que me dissesses qualquer tolice. Vamos recomeçar, mas com mais elevação. Ora dize-me lá, bárbaro duma figa, quem te disse que Deus existe, sim, que há um Deus?
DONDINDAC - A Natureza inteira.
LOGOMACO - Não basta. Que ideia fazes tu de Deus?
DONDINDAC - A ideia de que é o meu criador, o meu senhor, que me há-de recompensar se eu praticar o bem e castigar se fizer o mal.
LOGOMACO - Tudo o que dizes são frioleiras e lugares comuns! Vamos ao essencial, que é o que importa. Deus é infinito secundum quid, ou segundo a essência?
DONDINDAC - Não percebo cá disso.
LOGOMACO - Forte besta! Estúpido! Deus está nalgum lugar, ou fora de qualquer lugar, ou em toda a parte?
DONDINDAC - Não sei, não sei... Será como quiserdes.
LOGOMACO - Estúpido! Ignorante! Pode fazer com que o que foi não foi, e que um pau não tenha dois bicos? Vê o futuro como futuro ou como presente? Como procede Deus para fazer sair o ser do nada ou para aniquilar o ser?
DONDINDAC - Nunca pensei nisso...
LOGOMACO - Oh! Como és lorpa! Seja, há que ser humilde, ter a noção das distâncias. . . Dize-me cá, amigo, julgas que a matéria pode ser eterna?
DONDINDAC - E que me importa a mim que seja eterna ou não? Eu cá não tenciono existir eternamente! Deus sempre foi o meu senhor; deu-me a noção de justiça, hei-de obedecer-lhe; não pretendo de modo algum ser filósofo, quero ser apenas um homem.
LOGOMACO - Isto, com pinhas tão duras, dá um trabalhão! Bem, vamos lá a ver se, devagarzinho... por exemplo: quem é Deus?
DONDINDAC - Meu rei meu juiz e meu pai.
LOGOMACO - Não é nada disso que te estou a perguntar. Qual é a sua natureza?
DONDINDAC - Ser poderoso e bom.
LOGOMACO - Mas é corporal ou espiritual?
DONDIDAC - E como quereis que o saiba?!
LOGOMACO - O quê? ! Não sabes ao menos o que é um espírito?
DONDINDAC - Nem pouco nem muito! E de que é que isso me servia? Se o soubesse, seria mais justo? Seria melhor marido, melhor pai, melhor patrão, melhor cidadão?
LOGOMACO - Bem. Já estou a ver que tenho de te explicar duma vez por todas, tintim por tintim, o que é um espírito. Olha: um espírito é... é... assim uma coisa... é... Para outra vez te digo.
DONDINDAC - O meu medo é que me direis não aquilo que é mas o que não é. Agora, permiti-me que seja eu quem vos faça uma perguntinha. Aqui já há muito tempo, entrei num templo dos vossos. Explicai-me: por que pintais Deus com umas grandes barbaças?
LOGOMACO - Essa pergunta é muito difícil e necessita de muitas instruções preliminares.
Deste belo diálogo, retiro a ilação de que admirando os gregos, e não sendo da Cítia, concordo inteiramente com Dondindac. E com o seu Deus, criador e curador das coisas que nos rodeiam, independentemente da sua história, da sua natureza, e das suas qualidades.
Voltando ao tema da verdade, dou-me conta da mentira do Deus que em Roma nos é servido desde o concílio de Niceia pela igreja católica  que o nosso irmão Isaac Newton denominou de Anticristo, de “meretriz da Babilônia”, acreditando que todas as mentiras do mundo tinham começado nesse Concílio de 325, conduzido sob a égide do imperador Constantino, que impôs todos os dogmas de que a igreja se serviu para perseguir o livre pensamento, nomeadamente o pensamento de Deus, sempre coado pelos padres e bispos, tidos por únicos intermediários junto do Ente Supremo.
Mas então, sentindo a existência de Deus, quem é Ele, afinal?
Certa vez perguntaram a Albert Einstein, se ele acreditava em Deus. “Acredito no Deus de Spinoza, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe”, respondeu ele, resposta que a mim também me serve.
Dizia o Deus do iluminista Espinoza:
“Pára de ficar rezando e batendo o peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida.
Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.
Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa.
Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.
Pára de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau. O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria.
Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.
Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não me podes ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho… Não me encontrarás em nenhum livro! Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho?
Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.
Pára de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz… Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio.
Como te posso culpar se respondes a algo que eu pus em ti?
Como te posso castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez?
Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade?
Que tipo de Deus pode fazer isso?
Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.
Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti.
A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.
Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso.
Esta vida é a única coisa que há aqui e agora, e a única coisa que precisas.
Eu te fiz absolutamente livre.
Não há prémios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registo. Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho.
Vive como se não o houvesse.
Como se esta fosse a tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir.
Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei. E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não.
Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste… Do que mais gostaste? O que aprendeste?
Pára de crer em mim – crer é supor, adivinhar, imaginar.
Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti.
Quero que me sintas em ti quando beijas a tua amada, quando agasalhas a tua filhinha, quando acaricias o teu cachorro, quando tomas banho no mar.
Pára de louvar-me!
Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja? Me aborrece que me louvem. Me cansa que agradeçam.
Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo.
Te sentes olhado, surpreendido?… Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.
Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim.
A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas.
Para que precisas de mais milagres?
Para que tantas explicações?
Não me procures fora!
Não me acharás.


Procura-me dentro… aí é que estou, batendo em ti.»